terça-feira, agosto 09, 2005

O último cabalista de Lisboa

A dada altura senti vergonha de ser portuguesa.
Poderia até resumir isto a uma questão religiosa, cristãos vs. judeus, mas o narrador coloca o assunto em termos maiores: portugueses vs. judeus. Sendo que por portugueses entende todos os cristãos-velhos.
E não é simpático vermos como eram os nossos antepassados no início do século XVI. Porcos. Porcos de corpo e de espírito. Cruéis. Reprimidos e repressivos. Bárbaros. Muito bárbaros.

E tudo isto porque a história é contada por um judeu (ou cristão-novo), Berequias, que descobre o seu tio (um cabalista também convertido à força ao cristianismo) assassinado na cave da casa deles. Encontrado nú ao lado de uma jovem desconhecida, também nua, e fechados por dentro. Sim, o livro assenta na procura do assassino. Não, o interesse da história não reside aí.

O que nos agarra à cadeira, revolve as entranhas e faz corar de raiva e vergonha é o cenário de fundo da acção: Lisboa em tempo de peste e seca. Lisboa sem respeito pelo governante e cada vez mais anti-semitista. Lisboa à deriva e com um bode expiatório ali tão perto.

De um momento para o outro os cristãos-novos (que, para os -velhos, não deixaram de ser judeus manhosos, traiçoeiros, com cornos e caudas) passam a ser os responsáveis pela seca. Clero e povo grita nas ruas pelo sangue dos marranos para limpar Lisboa e aplacar a ira de Deus. Clero e povo arrancam homens, mulheres e crianças às suas casas, violam, decepam e queimam (muitos deles ainda com vida) numa gigantesca fogueira em pleno Rossio.

Sim, é horrível e mexe connosco. A descrição é tão realista (e rigorosa na exactidão histórica) que faz contrair os maxilares com a raiva. Mas a história em si arrasta-se um pouco e torna-se, em certos momentos, cansativa. O personagem é tal forma real (inconstante, incongruente e pouco carismático) que acaba por lhe faltar essência literária.

Eu estou a gostar. Muito.
Só continuo sem perceber se é ficção ou não. Porque a apresentação da Quetzal diz que sim mas o autor no prólogo diz que não.

16 comentários:

Karla disse...

Ai! Palavra que me deixaste com vontade de ler... e o melhor é que eu acho que a minha mãe tem esse livro!

Sem o ter lido arrisco a opinião de que os pormenores serão ficção, mas o pano de fundo bem real... e, triste, chego à conclusão de que as tuas frases "Lisboa sem respeito pelo governante e cada vez mais anti-semitista. Lisboa à deriva e com um bode expiatório ali tão perto", substituindo "Lisboa" por "Portugal" e "anti-semitista" por "xenófoba", são tão actuais...

a mãe dos miúdos disse...

São, não são? E de repente torna-se claro que estes atentados de terrorismo não são nada de novo, apenas o ciclo a repetir-se com novos personagens e a outra escala.

mas lê. Vais gostar :)

Sónia

AnaBond disse...

vocês as duas são perigosas...

(concordo que é demasiado actual)

Anónimo disse...

sô chefe
muito orgulho continuo a ter em ti!
li, gostei muito e é como diz alguém antes de mim, pode ser ficção mas com uma base muito real, ainda mais, a realidade ultrapassa a ficção ... era muito pior do que conseguimos imaginar, e ainda nos admiramos ....

Karla disse...

Ó mãe! Quem escreveu isto não fui eu ;)

Gina A. disse...

Olá!
Através do teu "Sapinho Gordo" vim aqui parar e... mtos parabéns! Gosto imenso de ler! É sem dúvida um dos meus hobbies favoritos!
Beijinhos!

Anónimo disse...

Li o livro e concordo plenamente com vc. Esotu fascinada, e ja li 2 vezes, embora seja um livro onde ha mtos detalhes tem de se prestar bem atenção, para nao se perder.

Unknown disse...

ola, gostei muito do livro, li-o há coisa dum mês e mesmo que haja alguma ficção, o relato e descrição da época e da cidade em si são realmente espantosas!!! Fico numa posição suspeita, como advogada do diabo... já que sou portuguesa, orgulhosa e amante da nossa terra mas antes de tudo sou judia sfaradyin, não praticante, mas descendente do povo escolhido, por parte de Ima, da mãe.
Literariamente, pode não ser esmeradamente bem escrito, mas históricamente e discrivamente é duma fidelidade espantosa! Envergonho-me imenso pela minha parte portuguesa e revolto-me duma maneira enorme com a violencia e ignorancia com que foram tratados os judeus naquelas eras sabendo, à partida, que dalguma maneira sobrevivi a estas mesmas pessoas que habitaram a judiaria de Lisboa! Principalmente por saber que estes progroms articulados eram somente para descarregar a ira, fome e pobreza de espirito do povo mas essencialmente para ocultar o roubo de todos os bens da comunidade judaica, já que eram os maior "credores" da coroa.
desculpem se me alonguei... mas o assunto é contagiante

Anónimo disse...

Juden raus!
Judeus fora!

Viva a Portugal!

Carlos Fernandes disse...

Só cobardes e criminosos se escondem atràs do anonimato.
Viva Portugal multicultural e multiracial.
Viva Portugal com judeus, cristãos, brancos e negros.
Carlos Fernandes - Madeira

Vitor Santos disse...

Estou cnsigo. My heart is in Yerushalaym. Meu Coração em Israel. שלום ידיד

Vitor Santos disse...

Este meu comentário anterior, é dirigido a Ana.
Quanto ao nazi que se esconde por detrás do anonimato, e cita a odiosa palavra nazi: Junden Raus,
pergunto-lhe: Já alguma vez fez a sua árvore geneológica?
Os Judeus em Portugal no Século XVI constituiam 35% da população.
E há o ditado que diz: "Se abanares a tua 'árvore' há-de caír um Judeu".
"Tsoah sheli goy".

C.Sousa disse...

Li a crítica, que traduz perfeitamente a leitura arrepiante e ao mesmo tempo fascinante da obra e comento para responder ao ultimo parágrafo. Conheço o autor pessoalmente e fiz-lhe essa mesma pergunta, e ele respondeu que a ideia era mesmo criar confusao entre o real e imaginário. Claro que o cenário histórico é real, mas de resto, nem tudo é. Recusa-se, no entanto, a dizer que fracção é imaginada. Sei, apesar de tudo, que caso haja os referidos manuscritos (não me garantiu a existência destes), Richard alterou/acrescentou certas cenas, de forma a tornar a história mais real e cativante! Acho que concordamos que conseguiu! :)

Anónimo disse...

Acabei de ler este livro ontem ( li-o para portugues) e fiquei com a sensação de que ainda existem muitas partes negras da história portuguesa por contar, ou que se são contadas não são como realmente aconteceu. O facto de a acção ser descrita por alguém que estava lá torna tudo mais assustador. O livro é mesmo muito bom mas tenho de concordar que nos faz ter vergonha dos actos cometidos pelos nossos antepassados.

Anónimo disse...

eu gostei do livro mas confesso que fiquei com vergonha de ser cristã

jonas lanski disse...

Como Judeu Brasileiro fico a vontade para comentar.Alguns Portugueses,se envergonham deste periodo .A inquisicao nao so envergonha Portugueses como tambem a Humanidade.Porem o reconhecimento desta tragedia,com o mea culpa,da a voces a grandeza do humanismo moderno,Estive em 2010 em Portugal,,ja a conhecia ,e continua linda e acolhedora,quando sabiam da minha religiao me davam um tratamento melhor ainda .Imbecis nazis existem ca como la, e nao serao eles que impedirao um mundo justo e sem pre conceitos.